24 de mayo de 2007

H.H.

(a carta da paixão)

Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascentes da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde
se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, a lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponta a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços, a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tão feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.

Helberto Helder (1930)


Y aquí, una traducción improvisada:

(la carta de la pasión)

Esta mano que escribe la ardiente melancolía
de la edad
es la misma que se mueve entre las fuentes de la cabeza,
que a la imagen del mundo abierta de sien
a sien
aviva la suntuosidad del corazón. La demencia labra
su quemadura desde sus recesos negros
donde
se forman
las estaciones hasta la cumbre,
en las sedas que fluyen con la anchura
fluvial
de la luz y la espuma, o de la noche y las nebulosas
y el silencio todo blanco.
Los dedos.
La montaña de desplaza sobre el corazón que se alumbra: la lengua
se alumbra: La miel oscurece dentro de la vena
yugular tallando
la garganta. En esta mano que escribe se sume
la luna, y de alto a bajo, en tus grutas
oscuras, la luna
teje las ramas de una sangre más salada
y profunda. Y el marfil madura en la tierra
como una constelación. El día lo lleva, la noche
lo trae junto a la cabeza: esa raíz de hueso
vivo. La edad que escribo
se escribe
en un brazo hincado en ti, una vena
dentro
de tu árbol. O un filón ardido de punta a punta
de la figura cavada
en el espejo. O aun la hendidura
en la frente por donde comienza la estrella animal.
Te quema el espacioso
desorden de las imágenes. Y trabaja en ti
el suspiro de la sangre curva, un alimento
violento lleno
de la luz entrelazada en la tierra. Las manos cargan la fuerza
desde la raíz
de los brazos, la fuerza
maneja los dedos al escribir de la edad, una llama
cerrada, la límpida
herida que me atraviesa desde esa levedad tuya
sombría como una danza hasta
el poder con que te toco. La mudanza. Ninguna
estación es lenta cuando te enalteces en el desorden, ningún
astro
es tan feroz agarrando toda la cama. Los poros
de tu vestido.
Las palabras que escribo corriendo
entre la limadura. Tu boca como un agujero luminoso,
arterial.
Y el gran lugar anatómico en que pulsas como una sábana bordada.
La pasión es voraz, el silencio
se alimenta
persistentemente de miel envenenada. Y yo te escribo
toda
en el cometa que te envuelve las caderas como un beso.
Los días cóncavos, las cuartos anegados, las noches que crecen
en los cuartos.
Es de oro el paisaje que nace: lo tuerzo
entre los brazos. Y hay ropas vivas, el inmóvil
relámpago de las frutas. El incendio tras las noches corta
por el medio
el abrazo de nuestra muerte. La base de las caras
un poco locas
engolfadas, entre las manos suntuosas.
La dulzura mata.
La luz salta a chorros.
La tierra es alta.
Tú eres el nudo de sangre que me sofoca.
Duermes en mi insomnio como el aroma entre los tendones
de la madera fría. Eres un cuchillo clavado en mi
vida secreta. Y como estrellas
dobles
consanguíneas, lucimos de uno a otro
en las sombras.

La poesía de Herberto Helder (la poca que he leído aún) es un río que fluye entre sombras, con el misterio y la sorpresa en cada salto de verso, como un manantial de aguas vivas. Y como las aguas, ceban la raíz.

Para saber más sobre este poeta, véase por ejemplo aquí, o, en español, aquí.

11 comentarios:

Anónimo dijo...

Qué descubrimiento más afortunado para mí... bellísimo Azófar, parece que Hiperión lo ha publicado ya, verás que me compro el libro de inmediato.

Candidato al premio Nobel, según leí también.

Daniel Pelegrín dijo...

Roxana, Helberto Helder era para mí apenas un nombre, sólo estos días empiezo a leer algo de él y ya me parece un excelente poeta. Me alegro de que te guste, y gracias.

dora dijo...

dificílimo o teu pedido... a escrita de Llansol reconstroi a gramática, transformando-a num percurso sensível que pede ao leitor disponibilidade e tempo interior. Por isso, parece-me sempre imensamente pessoal o vínculo. Muitos são os livros que publicou, iguais na voz, mas, de certa forma, bastante diferentes também. O "encaixe connosco", o certo para nós, é provavelmente muito diferente da escolha de outra pessoa. Dos que li, refiro-te O começo de um livro é precioso ou Um beijo dado mais tarde ou ainda O jogo da liberdade da alma. De qualquer forma, e esse foi o meu método inicial para encontrá-la, é mesmo necessário folhear estes livros, sentir pelas frases abertas ao acaso que estamos lá dentro ou não ( se "nos convoca" ). Implica-nos, esta autora, sempre. Desde o acto do primeiro do encontro, desde antes, desde o título.
Esspero que a encontres. Depois conta-me de ti neste mundo poderoso de palavras que é o dela, vale?

Ps. As bancas da Relógio D'Água e da Assírio e Alvim são os lugares de encontro nestes dias de feira do livro.

abraço

Anónimo dijo...

Ayer dormí tarde, logré recopilar al rededor de 20 poemas... este fin de semana iré ala librería y espero tener suerte.

También leí algo de António Ramos Rosa.

Excelente fin de semana.

Daniel Pelegrín dijo...

Dora... muito obrigado! Gosto imenso de autores que não se limitam a narrar, que além disso mudam a linguagem, gosto do jogo: acho que vou gostar da Llansol, mesmo que seja difícil para um estrangeiro. Vou já espreitar na feira, ou então na biblioteca Camões. Abraço!

Roxana: veo que también te estás "alusando" (mira que es fea la palabreja), qué bien. Otro abrazo, y que disfrutes del fin de semana.

Neves de ontem dijo...

Azófar, qué bello poema, buscaré más cosas de este poeta. Hasta pronto. Te deseo un feliz fin de semana (creo que podemos tutearnos)

Unknown dijo...

Um poema belíssimo de um autor maior.
Gosto do blogue, as escolhas são excelentes, a visita vale sempre muito a pena.

Anónimo dijo...

Aluzando, sim, também não me agrada... ainda que o que refere sempre resultará, fora do signo, algo maior, mais de enriquecimento que de conhecimento, mais de fazer do externo algo íntimo, como quando numa biblioteca se remexe nos livros esperndo encontrar não se sabe que mas encontrando, revelando mais do que encontrando. Sucede que estava procurando autores portugueses... e bom, daí o demais.

Graças, desejo que o passes bem também.

Anónimo dijo...

A propósito e já falando de livros, te direi que eu estou ultimamente lendo a Yves (o pouco que encontrei)
O livro, para envelhecer

Estrelas trashumantes; e o pastor que se inclina
Sobre a dita da terra; e tanta paz
Como esse grito irregular de inseto
Que um deus pobre modela.
De teu livro Subiu o silêncio até teu coração.
Corre um vento sem ruído nos ruídos do mundo.
Longe sorri o tempo, por deixar de existir.
Singelos no horto são os frutos maduros.

Envelhecerás

E, ao perder tua cor nas árvores, Ao formar uma sombra mais lenta sobre o muro,
Ao ser ameaçada a terra, ao fim, de alma,
Retomarás o livro onde o abandonaste,
E dirás: Eram essas as últimas palavras escuras. -


* ofereço desculpas pela tradução, verás que não domino do todo o idioma

boa noite ou oquesejaqueseja

Daniel Pelegrín dijo...

Neves, gracias, y hasta pronto (nos tuteamos, claro).

Carreira, obrigado pela visita, eu voltarei sempre ao teu recanto.

Roxana, eres una caja de sorpresas... Un abrazo.

Inês dijo...

Herberto Heleder...**********