5 de junio de 2007

saudade, fado

Já houve numerosos autores que falaram e escreveram sobre o assunto. Desde Fernando Pessoa até o italiano (e pessoano) Antonio Tabucchi. O fado e a saudade são termos exclusivos da língua portuguesa, não há equivalências noutras línguas: eis a riqueza da linguagem para criar realidades e sentimentos. Tais termos, porém, não só existem na cultura portuguesa (de Portugal), tal como pretende (ou silencia) Tabucchi ou como disse Pessoa, pois são hoje partilhados com outras terras, como o Brasil e Cabo Verde, Mozambique ou Angola (além da saudade galega, que ainda não sei se é tão semelhante). Lá temos a célebre e bela morna de Cesárea Évora, que canta com tristeza em crioulo “sodade, sodade, sodade dess nha terra São Nicolau”. Outro exemplo musical é a “Saudade do Brasil” que canta Elis Regina. No seu último romance, O outro pé da sereia, o moçambicano Mia Couto escreve: “A saudade é um morcego cego que falhou o fruto e mordeu a noite”. Não são portanto rasgos “nacionáis” exclusivos dos portugueses, mas sentimentos comuns a outros povos de língua portuguesa (e crioula).

É evidente, no entanto, que a maneira das pessoas sentirem a saudade muda segundo os diferentes elementos de cada identidade, além da nacionalidade, na qual são factores importantes a idade da pessoa, o género, a étnia, o nível cultural, o carácter mais ou menos sensível, etc. O sentimento é semelhante, seja um brasileiro ou um finlandês, mas só pode ser saudade ou fado se quem o sente é lusófono. O fado e a saudade são rasgos da língua, portanto, e não dos povos ou das pessoas: é algo que só a língua portuguesa nomeia, e essa designação descreve um sentimento complexo, por vezes fatalista e por vezes melancólico. A linguagem é criadora de realidade, e desta maneira a descrição de um sentimento acaba por designar um sentimento diferente: a saudade já é “outra coisa”.

O fado é não só um sentimento, mas também uma música, essa sim só portuguesa… hoje. Porque o fado, segundo alguns estudos musicológicos, nomeadamente dos professores José Ramos Tinhorão e Rui Vieira Nery, como quase todas as músicas, é produto duma mistura. Neste caso, é provável que a origem mais remota do fado se encontre na dança lundum, nascida no Brasil colonizado, mistura de danças e músicas portuguesas e dos escravos africanos de origem bantu.

Tudo isto não quer dizer que a saudade e o fado não sejam originais e exclusivos da cultura ou da forma de sentir portuguesas: ao contrário, a sua riqueza e o seu maior valor fundamentam-se no seu carácter ao mesmo tempo português, na sua origem, e hoje universal, fruto da mistura e do intercâmbio cultural ao longo dos séculos, património da língua portuguesa, mas não signos de um pretendido essencialismo nacional.

1 comentario:

Mabalot dijo...

Que bon. Moito obrigado, Azófar.